Pela
brisa úmida do litoral vinham murmúrios e ecos de relatos, tão antigos quanto
as pedras que formavam o próprio cais, histórias de descobertas maravilhosas,
lutas sangrentas, mortes inevitáveis e vitórias gloriosas. Ouviam-se, ao longe,
as narrativas contadas pelos homens de mar, aqueles que partiram além do
horizonte, além do que os olhos podem alcançar, e retornaram com o semblante
marcado pelas viagens inclementes, trazendo em seus corações o peso do
desconhecido e nas palavras o sabor do imponderável.
As
velas que partiam do nosso porto, guiadas pelo vento que sopraventava dos
vastos mares desconhecidos, traziam ecos de terras nunca vistas, de povos
estranhos e de seres de aparência fantástica, cujas formas desafiavam a própria
natureza humana. Falava-se de homens com pés alados, de gigantes que erguiam
montanhas com o simples mover de suas mãos, e de mulheres com olhos tão
profundos quanto o abismo, capazes de ver através das almas e encantar os
homens para dentro das águas. Havia quem jurasse ter avistado terras onde o sol
não se punha, e outras em que o tempo fluía de maneira estranha, onde os
minutos pareciam horas e os anos se desvaneciam como névoa ao amanhecer.
As
caravanas de exploradores, vestindo-se com o couro de suas aventuras e os olhos
carregados de esperanças e desespero, falavam com fervor sobre terras além-mar,
onde os ventos sopravam com a força em homens que eram considerados deuses e os
deuses tinham cabeças de animais. Esses valentes homens não falavam apenas de
terras férteis e rios de ouro, mas também de terras malditas, onde as estrelas
não brilhavam e os mares se cobriam de nevoeiro, tornando-se o lar de monstros
mitológicos e forças que desafiavam a própria razão.
Às
vezes, entre os altos mastros das caravelas que cortavam o céu com suas velas
enfunadas, avistavam-se aves que cruzavam os ares. Seus gritos pareciam
anunciar destinos misteriosos, e quando voavam entre os cabos e cordas dos
navios, eram como presságios de algo além do visível. Ao entardecer, voavam
rumo ao oeste, desaparecendo no horizonte, como se seguissem a rota de terra
segura, um porto de paz que apenas os olhos ágeis poderiam enxergar, um refúgio
onde o mar não traria mais tormentas.
Havia,
também, as ervas flutuantes, que surgiam com o misterioso movimento das marés,
como se a própria água da imensidão marinha quisesse nos mostrar um caminho.
Eram como sinais inconfundíveis de que a terra firme poderia estar mais próxima
do que a razão nos permitia acreditar. Algumas dessas plantas, com suas folhas
verdes e seus cheiros inebriantes, vinham das correntes oceânicas que se
estendiam para terras desconhecidas, flutuando com a graça de uma promessa,
levando consigo o eco de terras intactas, onde ainda se poderia encontrar o
impossível, o que a história ainda não ousava contar.
À
medida que os ventos de leste traziam estas histórias, acompanhadas da espuma
do mar que se quebrava nas pedras da costa, as vilas costeiras se tornavam
centros de especulação e fervor. Cada relato que chegava aos ouvidos dos
aldeões, pescadores e mercadores, acendia chamas de sonhos e desejos, mais
vívidos e mais intensos, como se o próprio destino estivesse chamando os
corações ousados para além do que se conhecia.
E
assim, Fernão de Castela, que vivia à sombra dessas narrativas, sentia no ar o
cheiro salgado do oceano misturado à promessa de uma terra além do horizonte.
Sabia que o futuro, como o mar, era vasto e inexplorado, e que nossas
caravanas, com suas velas enfunadas pelo vento, eram mais do que apenas
embarcações; eram símbolos de uma busca imortal, uma busca que nos levaria,
talvez, a conquistar o desconhecido ou, quem sabe, a sucumbir a ele.
Pela
brisa úmida do litoral da Vila de Castela, os ventos traziam estas histórias de
terras desconhecidas, mas nada do que se ouvia nas tavernas ou nos mercados se
comparava ao tormento que ardia no peito de Fernão de Castela. Ele não era mais
do que um simples pescador, nascido entre as rochas e redes de sua aldeia, onde
o mar era sua única companheira. Mas seu coração batia por algo mais, algo que
o mar não podia oferecer: o amor de Amélia, filha de uma das famílias mais
abastadas da região.
Amélia,
com sua pele clara como o alabastro e os olhos negros e brilhantes, era a joia
da nobreza local. Sua beleza atraía olhares de todos os cantos, mas o coração
da jovem estava, de algum modo, além da esfera do simples pescador. Fernão, com
suas mãos calejadas pelo trabalho diário e os cabelos escuros ao vento, se via
muitas vezes contemplando a figura de Amélia à distância, imaginando um futuro
que parecia inalcançável.
Seu
amor forte e silencioso como as marés que batem nas pedras da costa, encontrou
um obstáculo insuperável na família da jovem. O pai de Amélia, Don Juan de
Alvarado, um homem imponente e temido na região, nunca aceitara o fato de que
sua filha pudesse amar um homem tão abaixo de sua posição social. Para ele, um
pescador era apenas um trabalhador do mar, e um futuro com Fernão, pobre de
bens e sem a nobreza que ele julgava essencial para o casamento de sua filha,
era uma ideia insustentável.
Amélia,
por mais que amasse o jovem, se viu impotente diante da imposição do pai. Suas
lágrimas, nas quais ele via a dor de um amor impossível, não eram suficientes
para quebrar as correntes da rigidez social que prendiam seu destino. Em uma
tarde tempestuosa, após mais uma conversa cheia de dor e frustração, Fernão se
afastou, decidido a não ser mais um espectador do sofrimento que ela também
carregava.
Foi
então que, olhando para o horizonte distante, Fernão sentiu um chamado, como se
o próprio mar lhe sussurrasse promessas de um novo começo. Ele soubera das
expedições que partiam de Castela, dos navios que se aventuravam rumo ao
desconhecido, cruzando os mares que desafiavam o entendimento humano. O Oeste
com suas florestas impenetráveis e riquezas não descobertas, parecia ser a
resposta para o vazio que tomava seu peito. Não mais poderia viver à sombra de
sua dor. Decidido a se afastar da terra que o rejeitava, e também de um amor
que nunca poderia ser, ele optou por enviar uma carta à Amélia e seguir o
destino traçado pelas velas dos navios que se preparavam para zarpar.
Na
véspera de sua partida, quando o céu se tingia de vermelho como o sangue das
feridas abertas, Fernão se dirigiu à praia, onde as caravelas já se encontravam
ancoradas, prontas para cruzar o oceano. As velas se balançavam ao vento,
rufando como tambores de guerra, como se convocassem os corações dos homens a
seguir, sem questionar, sem hesitar. As ondas batiam agressivamente contra a
areia, como se o mar, em sua vastidão, lhe oferecesse uma última chance de
voltar atrás. Mas, com o coração pesado e a alma inquieta, Fernão subiu a bordo
do navio, agora mais do que nunca movido pela esperança de que, do outro lado
do mundo, ele encontraria algo mais do que o simples trabalho das redes, mais
do que a solidão de seu amor não correspondido. Quem sabe, ele pensava, o
destino estivesse preparado para ele de forma diferente. Quem sabe, em terras
desconhecidas, ele encontraria a liberdade para ser quem realmente poderia ser.
O
Virgen del Mar, o navio que o levaria ao desconhecido, era uma carraca robusta,
com seu casco gastado pela experiência de muitas viagens. O capitão Montoya, um
veterano das águas tropicais, estava ali, à frente de sua tripulação
heterogênea, composta por homens de diversas partes da Espanha, assim como
marinheiros estrangeiros, todos unidos pela promessa de riquezas e glórias.
Fernão foi designado para a vigia noturna, uma tarefa que lhe dava uma sensação
de pertencimento, mas também de solidão. Ali, entre os mastros imponentes e as
cordas que se esticavam no vento, ele sentia a presença do mar, como uma
entidade viva, que observava e aguardava. O oceano, vasto e eterno, parecia
sussurrar segredos de terras além do horizonte, terras onde o impossível se tornava
realidade.
Nos
primeiros dias de viagem, o vento era favorável e as estrelas se alinhavam como
guias imperturbáveis. As ondas balançavam o navio suavemente, criando um ritmo
hipnótico que acalmava os corações dos marinheiros. No entanto, logo, o mar,
com sua natureza imprevisível, mostrou seu rosto mais sombrio. Uma tempestade
surgiu, com um rugido profundo, como um dragão despertando de um sono antigo.
As velas rasgaram, o convés se inundou e os homens, em pânico, se apegaram aos
mastros e cordas com a esperança de que, ao menos, sobreviveriam àquele furor.
Fernão sentiu o frio cortante da água salgada, a força das ondas que pareciam
querer engolir o navio inteiro. Seu estômago se revirava, mas seus olhos,
firmes como rochas, não conseguiam deixar de olhar para o horizonte. Algo
dentro dele, algo além da razão, lhe dizia que a tempestade era apenas o começo
de uma jornada muito mais dura.
Foram
três dias de tormenta, três dias em que o mundo de Fernão parecia se resumir à
luta pela sobrevivência. Quando, finalmente, a tempestade se acalmou, o céu
clareou, revelando um mar calmo e profundo, de um azul ainda mais intenso do
que o normal. Os marinheiros estavam exaustos, seus rostos suados e pálidos,
mas havia algo de novo em seus olhos: um brilho de quem havia sobrevivido a
algo além da compreensão humana. Eles tinham enfrentado a fúria do oceano e
saído vitoriosos. E, para Fernão, essa vitória parecia o prenúncio de algo
maior, um sinal de que ele estava no caminho certo, rumo ao desconhecido, ao
impossível.
O
tempo passou e o navio cortava as águas do Atlântico como uma lâmina afiada. Os
ventos agora estavam mais tranquilos, mas a jornada era longa. Fernão, muitas
vezes sozinho no convés durante a noite, começava a sentir algo estranho no ar.
Às vezes, ele ouvia um murmúrio distante, como se o próprio mar estivesse
falando com ele. Em outras ocasiões, as estrelas pareciam brilhar de maneira
diferente, como se estivessem observando-o. Ele tentava ignorar essas
sensações, focando no movimento das ondas, na forma como o navio cortava as
águas e no canto das aves que, misteriosamente, surgiam no horizonte, voando
para o oeste. Eles seguiam sempre para o mesmo ponto, como se soubessem algo
que os homens não sabiam. E, a cada dia que passava, Fernão sentia o peso de
sua decisão aumentar: ele estava deixando para trás não só a terra, mas também
o último fio de esperança de uma vida que jamais poderia ter ao lado de Amélia.
O
mar não era apenas uma paisagem; é uma força, um ser que imenso demais para ser
totalmente compreendido, mas ao mesmo tempo, alguém com quem Fernão começava a
formar uma ligação sentimental, mútua. O oceano trazia consigo não apenas o
perigo, mas também a promessa de transformação, de uma reviravolta que poderia
mudar o rumo de sua vida. Ele sabia que não poderia voltar atrás. O mar não
permite que se volte ao ponto de partida; ele exige algo mais profundo.
Em
uma dessas noites, enquanto observava o horizonte, Fernão teve a sensação de
que algo se movia nas águas. Não era um simples animal, mas algo maior, mais
profundo. O mar estava se mexendo de maneira estranha, quase como se estivesse
vivo, respirando debaixo da superfície. Uma luz, tênue e misteriosa, surgiu à
distância, cintilando sobre as águas escuras. Para alguns, poderia ser apenas o
reflexo da lua, mas para Fernão, era mais do que isso. Era como se aquela luz
fosse uma promessa, um farol que o chamava para algo que ele ainda não
compreendia. O que quer que fosse, ele sabia que estava se aproximando daquilo
que o destino lhe preparava.
"Será
que é isso, então?" Ele se perguntou em voz baixa, mais para si mesmo do
que para qualquer outro. "Será que estou destinado a encontrar algo além
do que os olhos humanos podem ver?"
E
assim, enquanto a caravana avançava nas águas desconhecidas, Fernão de Castela
seguia sua jornada, sem saber ao certo se ele encontraria o que procurava. Mas
uma coisa ele sabia com clareza: o mar não o deixaria em paz até que ele
alcançasse o que o destino, em suas mãos, havia reservado para ele.
por João Zanela