terça-feira, 24 de dezembro de 2024

A Menina que Vendia Pão de Mel

 


Ao abrir os olhos em seu quarto, Bella percebia os suaves raios de sol que clareavam seu quarto, pelas frestas da janela. Já era de manhã. Esticando seu corpo, pisava no chão com os pés descalços e se dirigia ao banheiro. Agilmente, tomava banho, escovava os dentes, penteava seu cabelo escuro, prendendo-o em um rabo de cavalo, e vestia o uniforme de sua escola, como parte de seu pequeno ritual matinal. Como sua mãe, Bella sempre fazia questão de estar apresentável. Estando pronta, ela seguia para o quarto de seu irmão mais novo e, como irmã mais velha, orientava-o a não se distrair para vestir o uniforme.

 Na mesa, o café da manhã já estava preparado por seus pais, que também estavam prontos para ir trabalhar no centro da cidade. Bella e Pedro seguiriam para a escola, pois estudavam de manhã. Bella auxiliava seus pais nas tarefas domésticas, sempre antecipando pequenos afazeres que facilitavam a organização e limpeza de sua casa. Ela sempre teve participação ativa no cotidiano de sua família. Todo o seu universo conhecido estava, de alguma forma, ligado à rotina de sua casa. O som da água corrente do chuveiro, a visão de Pedro deitado na cama, enrolado em seu cobertor, sua mãe preparando ovos mexidos e seu pai tomando café davam-lhe a sensação leve e precisa do funcionamento do mundo.

 Sua escola fica próxima de sua casa, fazendo o caminho de ida e volta, uma extensão da fluidez em movimentos sonoros de seus dias sinfônicos. Na escola, Bella demonstrava interesse pelas matérias e atividades desenvolvidas pelos professores, participando ativamente das aulas. Seus dias comuns são deveras preenchidos pelo cálculo, pelo texto, pela geografia da escola.

 Um dia, ao ajudar sua mãe na cozinha, Bella observou que a receita de pão de mel que a mãe sempre fazia satisfazia ela e suas amigas na escola. Quando saia do forno, o cheiro doce e acolhedor do mel e das especiarias se espalhava pela casa, trazendo à tona memórias de risos e suas amigas. A partir deste momento, Bella começou a aprender a arte de fazer pão de mel. A princípio, ela fazia para a família e os amigos próximos. O gesto, simples, mas repleto de carinho, começou a ganhar um significado diferente para ela.

 Logo, sua mãe percebeu que Bella estava mais animada e falava sobre a possibilidade de vender os pães de mel. Sua ideia era usar o dinheiro para ajudar nas suas pequenas despesas, pois sendo uma adolescente, surgiam necessidades especiais desta idade. Embora ainda jovem, Bella tinha uma boa vontade própria de realização, sabendo que poderia fazer os pães de mel, porém, sem deixar de lado sua rotina escolar e as responsabilidades na sua casa. Bella começou a fazer mais pães de mel, aprimorando a receita e criando novas versões. Ela embalava as guloseimas com carinho, sempre com uma fita, um adesivo, e em alguns até bilhetinhos que tornavam a embalagem tão especial quanto o próprio pão de mel.

 As vendas começaram para amigos e conhecidos. A notícia de sua doçura se espalhou como um rumor suave, e Bella encontrou mais formas de encaixar a venda de pães de mel, tornando sua nova atividade mais do que um simples negócio; para Bella, representava a maneira como ela estava se conectando mais profundamente com as pessoas ao seu redor. Era uma forma de distribuir carinho, algo que ela já fazia em sua casa, agora ampliado esta ligação para outros ao seu redor. Bella não apenas vendia um doce, ela compartilhava uma parte importante de si mesma — sua dedicação, sua habilidade, seu trabalho e, acima de tudo, seu amor pela família e pelas coisas da vida. Cada cliente que recebia um pacote de pães de mel sentia que, por trás daquela simples receita, havia um gesto de gentileza que fazia o dia um pouco mais doce.

 À medida que os dias passavam, Bella foi aprendendo a equilibrar suas responsabilidades. Ela continuou a ser a irmã mais velha atenta a Pedro, a filha que ajudava nas tarefas domésticas e a estudante que se dedicava à escola. Mas agora, ela também era a menina que vendia pão de mel, uma jovem que começava a perceber que o valor das coisas não estava apenas no que se recebe, mas na doçura do que se pode oferecer aos outros.

 Em um certo fim de tarde, quando o sol se inclinava lentamente no horizonte alaranjado, Bella se pegou olhando pela janela do seu quarto. As cores do céu estavam vivas, e o cheiro do pão de mel, que ela acabara de tirar do forno, preenchia o ar. Ela sorriu, sentindo que, de alguma forma, estava mais conectada ao mundo ao seu redor. Como nas viagens e leituras... Um intervalo entre os reflexos de seu pensamento e a nítida compreensão da vida que fluíam como barcos de papel em um tanque d’água numa borda infinita, como um poente suspenso no ar.

 Bella sentiu que, mesmo nos momentos mais simples da vida, há sempre algo doce a ser compartilhado.

 E, talvez, seja isso o que realmente importa.

 por João Zanela

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